Síndrome da impostora no trabalho e na vida: como superar?
Na semana da mulher, preciso falar sobre um assunto sério com você: síndrome da impostora.
Essa é uma síndrome que drena a autoestima e causa a sensação de incapacidade na vida pessoal e profissional. Vamos saber mais sobre isso?
Índice
Síndrome da impostora: o que é?
Apesar de não ser considerada uma doença mental pela Organização Mundial de Saúde, esta síndrome é bastante estudada.
Caracteriza-se pelo sentimento de ausência de sucesso por não merecimento, seja no trabalho ou na vida, com pensamentos de perda de confiança em si mesma. Segundo o Instituto de Psicologia, essa síndrome afeta principalmente as mulheres.
O termo síndrome da impostora foi citado pela primeira vez em 1978, no artigo The Impostor Phenomenon in High Achieving Women: Dynamics and Therapeutic Intervention, em tradução livre, O fenômeno do Impostor em mulheres bem sucedidas: dinâmicas e intervenções terapêuticas, escrito pelas psicólogas Pauline Clance e Suzanne Imes, da Universidade da Geórgia.
Neste artigo foram analisadas 150 mulheres que haviam conseguido alcançar um sucesso palpável em suas profissões. Contudo, mesmo havendo evidências das conquistas profissionais e acadêmicas dessas mulheres, a sensação que a maioria sentia era a de uma ausência de valorização interna por si mesmas, sentindo-se fraudes.
Mas por que afeta principalmente as mulheres?
A resposta encontra-se em nossa cultura, cercada de questões socialmente estruturais que minimizam o esforço das mulheres, potencializando a sensação de incapacidade e fraqueza.
Segundo a pesquisa realizada pela consultoria de negócios KPMG, Acelerando o futuro das mulheres nos negócios, quase 60% das executivas que foram entrevistadas afirmaram que sentem receio de que outras pessoas acreditem que elas não são capazes de desempenhar as funções que já realizam.
Essa síndrome afeta não apenas a esfera profissional, mas também os relacionamentos interpessoais, familiares e afetivos. Exemplo de mulheres famosas que apresentam características da síndrome da impostora são Michelle Obama e Maya Angelou, por exemplo.
Também é um sentimento que homens sentem, mas, em sua maioria, são experienciados por mulheres. Alguns pontos, para além do contexto sócio-cultural, que podem influenciar que mulheres sintam essa síndrome são:
- Características da personalidade;
- Infância;
- Classe social;
- Raça;
- Estereótipos de gênero.
Veja, agora, os principais sintomas dessa síndrome:
Síndrome da impostora: sintomas
Podendo contribuir para desencadear outros distúrbios, como ansiedade e depressão, a síndrome da impostora pode apresentar:
- Sentimento de ser uma fraude;
- Sensação de não pertencimento ao meio que ocupa;
- Achar que está enganando as pessoas e pode ser descoberta a qualquer momento;
- Ansiedade após ser bem-sucedida em algo;
- Perfeccionismo;
- Baixa autoestima;
- Insegurança;
- Medo da comparação;
- Dificuldade em receber elogios;
- Dificuldade de se apropriar do sucesso;
- Medo de não conseguir repetir os resultados bem sucedidos de outrora;
- Entre outros.
Síndrome da impostora e Psicologia
Segundo a psicóloga do Serviço de Orientação Profissional (SOP) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre o Traalho e Orientação Profissional (Labor), do Instituto de Psicologia (IP) da USP, a síndrome da impostora está diretamente ligada a:
- Preconceitos, principalmente de gênero;
- Ideias que o patriarcado construiu sobre a figura feminina, colaborando para a destruição da autoestima das mulheres;
- Cultura patriarcal pautada na inferioridade da mulher.
Ou seja: a síndrome da impostora está diretamente ligada ao contexto cultural e social em que as mulheres estão inseridas sobre estereótipo de gênero, reforçando o impacto psicológico negativo do machismo.
Características de mulheres com síndrome da impostora
A escritora e pesquisadora Valerie Young, especialista em síndrome da impostora, categorizou, em seu livro, 5 subgrupos com características padrão de mulheres que apresentam essa síndrome:
1. A perfeccionista
Para essas mulheres, existem altas chances de serem desenvolvidos outros transtornos, como a síndrome de burnout CID, tendo em vista que os níveis de estresse e queda da autoconfiança são gigantescos, por acharem que o trabalho que realizam nunca está bom o bastante.
A sensação é a de que o trabalho deve ser perfeito o tempo inteiro, sem espaço ou margem para qualquer errinho que seja. Dessa forma, há uma dificuldade para delegar tarefas, pois elas preferem fazer elas mesmas qualquer trabalho, por achar que só elas conseguem fazer bem feito o suficiente, nunca sendo o suficiente.
O resultado? Claro que altas doses de estresse e ansiedade.
2. A super-heroína
Aqui entram as mulheres workaholic, termo que você já deve ter conhecido.
A origem da palavra workaholic surgiu em 1968, pelo psicólogo Wayne E. Oates. O significado de workaholic é viciado em trabalho.
Ele utilizou esse termo para definir pessoas que possuem uma necessidade inesgotável de trabalhar, tendo a relação com o trabalho muito parecida com o vício em drogas ou alcoolismo.
Pessoas com esse problema normalmente trabalham mais do que o turno estipulado para seu cargo, chegando a passar mais de 12 horas seguidas em expediente, podendo até levar trabalho para casa.
Podem preterir a relação com amigos, cônjuge e familiares pelo trabalho, sempre checando o celular para ver se existe alguma pendência, nunca aproveitando o tempo livre.
Além disso, as características da personalidade de uma pessoa workaholic são relacionadas à consistência, como:
- Perfeccionismo;
- Organização;
- Excesso de responsabilidades;
- Diligência.
O esforço pelo trabalho, contudo, sustenta-se na tentativa dessas mulheres de provar que são dignas da posição ou cargo que assumem. Dessa forma, estão sempre em busca da validação de seu trabalho por terceiros e o reconhecimento de que não são uma farsa.
3. A gênia
Possuindo expectativas tão altas quanto as perfeccionistas, as gênias medem a própria capacidade em quão veloz elas conseguem aprender algo ou executar perfeitamente de primeira.
Caso ocorra algum erro são invadidas por um alarmante sentimento de vergonha, fazendo com que parem até mesmo de tentar, com a crença limitante de que não serão nunca boas no que fazem.
4. A instrumentista
Essas mulheres acreditam que pedir ajuda é sinal de fraqueza. Portanto, creem que devem provar o seu valor sozinhas, sem envolvimento de ninguém no processo.
5. A especialista
As especialistas vivem sempre com o medo de serem lidas como mulheres inexperientes ou sem conhecimento.
Dessa forma, estão sempre buscando se aperfeiçoar e, por mais informações que angariem, nunca é o suficiente.
Caso sintam que não sabem de algo são invadidas por um forte sentimento de quebra, culminando na síndrome da impostora.
Todas essas características, por sua vez, possuem algo em comum: o sentimento de nunca acharem que merecem o que possuem. Como afirma a jornalista e empresária Daniela Arrais,
“Quem sofre com essa síndrome acha que nunca é boa o suficiente ou que não merece o sucesso.”
Dados: síndrome da impostora
A ausência de confiança em suas próprias habilidades e competências leva as mulheres a vivenciarem consequências destrutivas às suas carreiras profissionais. Segundo pesquisa realizada pela empresa de tecnologia HP:
- As mulheres funcionárias afirmaram que só se candidatariam a uma vaga se preenchessem 100% dos requisitos propostos;
- Os homens entrevistados, por sua vez, afirmaram que se candidatariam mesmo preenchendo somente 60% das competências exigidas para a vaga.
Já o estudo Acelerando o futuro das mulheres nos negócios, realizado pela KPMG, afirmou que:
- Para quase 80% das mulheres executivas entrevistadas, o fato que pode ter desencadeado a síndrome da impostora está atrelado à expectativa direcionada à vida pessoal ou profissional e a realidade em que estão inseridas;
- Quase 60% das entrevistadas que atuam em cargos de liderança sentem medo de que as pessoas ao seu redor acreditem que elas não possuem capacidade para realizar as funções que já realizam;
- 57% das mulheres afirmaram experienciar a síndrome da impostora quando assumiram um novo cargo de liderança ou foram promovidas a nível de executivas;
- Quase 50% das mulheres relataram sofrer com a síndrome por acharem que nunca iriam atingir nenhum sucesso, como alcançaram.
De acordo com pesquisa realizada pelo Working Mother Research Institute, 50% das mulheres já pensaram em largar os empregos em dois anos, devido a sentimentos permeados de:
- Exclusão;
- Marginalização;
- Desilusão quanto à ideia de crescer dentro das empresas.
Tendo isso em mente, as pesquisadoras Jodi-Ann Burey e Ruchika Tulshyan analisaram essa problemática no artigo Parem de falar que as mulheres têm síndrome da impostora, publicado na Harvard Business Review.
Neste artigo são levantadas as problemáticas acerca da nomenclatura. Para tal, é utilizada, no texto, a história de uma profissional preta, responsável pela organização de palestras que contariam com a presença de Barack Obama.
Mesmo que a profissional apresentasse as qualificações necessárias para o cargo, seus colegas homens, no ambiente de trabalho, questionavam e/ou vetavam suas decisões ou ideias, fazendo com que ela começasse a duvidar de suas próprias capacidades.
Tudo piorou quanto ela começou, também, a perceber que não era escolhida para fazer parte de alguns projetos e teve suas funções reduzidas.
No artigo, as pesquisadoras apontam a carga negativa que o termo síndrome da impostora carrega, pois parece que há algo de errado com essas mulheres dentro do ambiente de trabalho e não o contrário.
Dessa forma, é como se elas fossem culpadas por se sentirem como se sentem, muito parecido com os diagnósticos de histeria feminina, comuns no século XIX.
O fato é que: a solução não está em tentar mudar o comportamento das mulheres a partir de soluções individuais, mas estar atento a questões causadas por sistemas de discriminação e abuso de poder que geram sequelas gravíssimas na dinâmica em sociedade.
Síndrome da impostora e liderança feminina
Para que esse ciclo possa ser quebrado, as empresas precisam valorizar mulheres em cargos de liderança, como diretorias e conselhos que priorizem a diversidade e inclusão, o que é bom não apenas para as mulheres, mas para as empresas, de modo geral.
Aumentar a diversidade nos cargos de liderança leva ao desenvolvimento de maior inovação e melhor desempenho financeiro das empresas (Boston Consulting Group).
Já a consultoria americana McKinsey afirma: instituições que preocupam-se com a diversidade de gênero são 21% mais lucrativas do que as que não pensam nisso. Portanto, as empresas devem implementar ações concretas focadas em programas de empregabilidade e desenvolvimento de lideranças com foco em igualdade de gênero e inclusão de diversidades.
Nossa CMO do Guia da Alma, Liana Chiaradia, revela em relato pessoal:
“Apesar de sempre ter sido muito comunicativa, quando comecei a empreender me sentia muito insegura para me comunicar ao fazer networking, falar sobre minha empresa ou fazer abordagens comerciais.
Essa insegurança foi ainda mais reforçada em situações, como:
- Em feiras de negócios, quando falava em uma roda sendo a única mulher, os homens ouviam e respondiam olhando para meu sócio;
- Quando falaram que para eu vender mais, deveria usar salto e maquiagem.
Infelizmente, vai demorar muito até esse tipo de situação mudar. Não podemos esperar pelos outros, nem nos paralisarmos pela opinião alheia. Temos que nos fortalecer para seguirmos firmes na direção que queremos.”
Leia o artigo completo: Protagonismo e empoderamento feminino: 5 aprendizados da minha jornada!
Como superar a síndrome da impostora nas empresas?
Existem algumas ações concretas que as empresas podem executar para implementar um ambiente mais diverso e inclusivo, como:
- Incentivar o desenvolvimento de lideranças femininas: a ausência de reconhecimento profissional atrelado à sobrecarga de trabalho pode ser confundido com síndrome da impostora;
- Criar projetos que incluam a diversidade: para isso é preciso considerar os diferentes contextos sociais, culturais e econômicos das mulheres que fazem parte do time de colaboradores;
- Investir nas mulheres o ano inteiro, não apenas em datas simbólicas: é preciso investir em aprendizado contínuo, com palestras, treinamentos e outras ações voltadas à consciência da inclusão e diversidade nas empresas;
- Dar notoriedade à fala das mulheres: lembra do caso da profissional preta que era escanteada e silenciada mesmo sendo apta para o cargo que ocupava? É preciso que isso seja cada vez mais modificado dentro das empresas, com a construção de ambientes de trabalho seguros com diálogo e atenção plena;
- Garantir a igualdade salarial: eis um ponto fundamental e inacreditável que ainda precisemos falar sobre! Vemos, ainda hoje, mulheres que exercem o mesmo cargo de outros homens ganhando salários menores. Isso precisa ser mudado com urgência!;
- Criar políticas efetivas contra assédio nas empresas: quase 40% das mulheres profissionais já sofreram preconceito ou abuso por serem mulheres, enquanto quase 80% já passaram por episódios de violência e assédio no trabalho (Instituto Patrícia Galvão e Locomotiva). É preciso ter tolerância zero nesses casos, criando canais de denúncia efetivos;
- Possibilitar licença parental estendida: muitas vezes o excesso de trabalho em casa pode gerar a síndrome de burnout materno que, agregada ao excesso de trabalho, pode desencadear a síndrome da impostora. Apenas 1 em cada 4 mulheres divide igualmente as tarefas de casa e filhos (Google Survey), portanto, as empresas podem ajudar implementando um sistema de licença parental estendida.
Como superar a síndrome da impostora na vida?
E na vida, como é possível agir para contornar esse sentimento de incapacidade que a síndrome da impostora causa? Fique atenta a essas dicas:
- Pratique a escrita terapêutica: escrever ajuda a colocar os pensamentos no lugar e olhar os problemas com outra perspectiva. Escrevendo a gente consegue enxergar melhor se nossos problemas estão sendo causados por fatos reais ou por vozes de autossabotagem que a mente cria;
- Troque ideias com outras mulheres: podem ser em rodas de conversa ou grupos online, com reuniões virtuais. Busque se conectar com outras mulheres da mesma área profissional que você atua e trocar ideias sobre dúvidas e questões que só outras mulheres podem compartilhar e ajudar;
- Lute contra o perfeccionismo: já ouviu a frase antes feito que perfeito e achou um absurdo? Pois saiba que, na vida real, é impossível dar conta de tudo de forma perfeita, e a gente precisa fazer algumas concessões. O excesso de perfeccionismo nos boicota e trava, precisamos aceitar que somos seres que também podem falhar;
- Cultive uma mentora: aqui no Guia da Alma, por exemplo, minha mentora é a própria Liana Chiaradia, me ajudando com feedbacks sobre a evolução do meu trabalho e auxiliando com dúvidas em atividades que não tenho o costume de realizar. Caso você se sinta apta a ajudar outras mulheres, seja você a mentora;
- Faça terapia! Existem coisas que só exercícios de autoconhecimento são capazes de melhorar. Esse mergulho interno é fundamental para ressignificar questões que nos atormentam e têm suas raízes bem internas.
Faz sentido pra você?