Masculinidades e os dilemas do Homem Moderno
Os homens vêm chegando…
Escuto ansioso cada som ao longe que pode ser anúncio da chegada deles ao espaço onde será realizado o grande encontro.
O lugar é especialmente bonito, uma construção sólida, circular, com pé direito de cerca de 3,5 m e com um maravilhoso deck circundando em meia lua e que avança uns 3 metros à frente da estrutura, possibilitando uma vista da natureza, à frente privilegiada.
Uma clarabóia de vidro, em forma de pirâmide no meio do telhado, permite que toda luz solar entre, deixando o espaço quente e iluminado ao mesmo tempo. Um calor aconchegante, já que estamos no início de abril. Já dá para sentir o frescor da primavera amenizando a memória do último verão escaldante.
Ao redor uma mata preservada, os vizinhos, estão longe, não se escuta barulho de carros ou pessoas, apenas a natureza que se manifesta a cada instante, na passagem de um passarinho, ou no latido de um cão, no farfalhar das arvores ao sabor do vento.
O único barulho que me revela que estamos em um lugar urbano é o som do motor dos carros chegando. E apesar de tanta beleza ao redor, a única coisa que me mobiliza de verdade é esse som, dos motores, pois eles anunciam a chegada dos homens para o 1º encontro de um grupo de homens, para o início de uma nova jornada de conhecimento.
São todos homens, pais e filhos que chegam com olhar intrigado, curioso e muitos desconfiados, talvez se perguntando “o que estou fazendo aqui?”.
Homens de diferentes origens, credos, raças, masculinidades. Não conheço todos, aliás conheço poucos, apenas aqueles que convidei pessoalmente para se juntarem ao grupo.
Recebo todos com um olhar mais curioso ainda, apertando a mão de cada um e olhando nos olhos, como se estivesse procurando alguma coisa, alguma pista das emoções envolvidas na chegada, pois minha ansiedade quer me levar a antecipar o que não pode ser antecipado, não pode ser medido.
E assim inicia uma jornada sem volta, uma jornada que para cada homem será diferente, será única. A busca pelo autoconhecimento inicia de dentro para fora.
Iniciamos lendo o 1º capítulo da nossa vida, do livro que secretamente escrevemos a partir das nossas experiências, da nossa vida íntima e que nunca contamos a ninguém, pelo menos até esse momento.
E assim estou intimamente envolvido, há mais de 20 anos, com movimentos que se direcionam à tentativa de compreender, como equilibrar e buscar a inteireza do homem diante de suas relações, sejam familiares, íntimas, amizades ou relação com Gaia (como a natureza) e a relação com a própria existência, alma.
Sou Tulio Ramos Caminha, facilitador do Movimento Guerreiros do Coração e terapeuta corporal sistêmico e do sagrado masculino.
Neste artigo falo sobre Masculinidades, os dilemas do homem moderno e como caminhar rumo a masculinidades mais saudáveis. Boa leitura!
Índice
Os dilemas do homem moderno
Nestes anos de caminhada, percebi que o homem precisa fazer dois caminhos, não somente um, como pensava até pouco tempo atrás. Dois caminhos são caminhos distintos, mas que se interconectam e se sobrepõem em algum momento.
Um é o caminho do autoconhecimento. É necessário e fundamental que o homem entre de forma profunda em um relacionamento íntimo consigo mesmo, buscando nas suas entranhas, no amago de suas vísceras e alma.
Aquilo que Robert Bly denomina de homem natural, em seu livro João de Ferro.
Porém, hoje, percebo que pouco adianta ter o encontro com o homem natural se este mesmo homem não expande seu olhar para fora do seu self.
E, nessa expansão, possa entender de fato que homem se construiu a partir da natureza pessoal é coadunado com a natureza social, estruturada a a partir de um sistema social que chamamos de “Patriarcado”.
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Patriarcado e Masculinidade Tóxica
Entendo “Patriarcado”, um conjunto de regras e acordos sociais, estruturados, mas não escritos, implícitos no imaginário coletivo. Permeiam o comportamento de todos os humanos, independente do gênero, raça, credo e posicionamento sócio-político.
O patriarcado tem origem em um contexto histórico, ligado na origem da tradição grega/romana, e depois legada às outras tradições sapienciais, que disseminaram pelo mundo conhecido o conceito de que a ordem da família e sociedade é gerida por um único fator – o ser biológico, homem.
Nascido e criado para ser o senhor das coisas, do mundo.
Tal conceito é fundamentado historicamente, mas sem comprovação científica ou de qualquer outra ordem de estudo, assim o homem, como ser biológico, detém o “poder e supremacia para controlar e organizar o mundo”.
Sua supremacia física e possível nível intelectual (sugerido pelos defensores dessa teoria), movimenta seu poder sobre, e principalmente, sobre as mulheres.
Este conceito atravessa também questões raciais, crenças religiosas e sociais, no sentido que o homem branco, bem posicionado socialmente e, preferencialmente, representante da classe econômica alta, tem e recebe todos os privilégios que não são concedidos aos demais membros dessa mesma sociedade.
Porém não basta ser homem para ter privilégios. Ser LGBTQI+ , negro ou homem pobre, já coloca estes homens em uma situação de menos valia, ou como atualmente se classifica, masculinidades subordinadas e cúmplices.
Machismo e Masculinidades hegemônicas
A ordem hegemônica, ou Masculinidade Hegemônica, segundo CONNEL, é uma série de atos, performances e expectativas de papéis, que reforçam e mantém a severidade e dominação masculina sobre as mulheres,
Esta mesma dominação e superioridade é exercida sobre as outras masculinidades subordinadas, que em contrapartida se seguem a sub-subordinações, onde um homem negro gay, por exemplo, é passível da dominação e superioridade de um homem negro heterossexual, e assim por diante.
Desta forma, as Masculinidades hegemônicas são, na verdade, um conjunto de práticas e regras não explícitas que sugere uma constante regra de dominações em cascata, tendo como farol o patriarcado.
Porém, esta dominação não parece ter nenhum valor real no que tange a verdade na superioridade masculina sobre os demais seres humanos.
Sobre isso Yuval Harari, escritor da obra “Sapiens” escreve:
“A teoria mais comum aponta para o fato de que os homens são mais fortes que as mulheres e utilizaram sua maior capacidade física para obrigá-las a se submeterem.” Yuval Noah Harari. Sapiens Uma Breve História da Humanidade.
Na sequência do texto, completa:
“Há dois problemas com essa ênfase no poder dos músculos. Primeiro, a declaração de que “os homens são mais fortes que as mulheres” é verdadeira apenas na média, e apenas se considerando certos tipos de força. As mulheres geralmente são mais resistentes à fome, doenças e fadiga que os homens. Há também muitas mulheres capazes de correr mais rápido e levantar mais peso que muitos homens. Além disso, o maior problema dessa teoria é que as mulheres, ao longo da história, foram excluídas sobretudo de empregos que exigiam pouco esforço físico (como o sacerdócio, lei e política), enquanto se dedicavam a trabalho braçal nos campos, no artesanato e nos cuidados com a casa. Se o poder social fosse dividido diretamente com base em vigor ou força física, as mulheres teriam se dado muito melhor.” Yuval Noah Harari. Sapiens Uma Breve História da Humanidade.
O simples fato de excluir as mulheres em determinado momento histórico de atividades consideradas apenas para os homens, fez com que claramente este grupo de humanos não pudesse desenvolver as habilidades para tais tarefa e portanto, fica fácil indicar a falta de capacidade.
Fui coach durante anos de atletas de alto nível, e vi como as mulheres se destacam em força, resistência e determinação nas atividades físicas e esportes que praticavam, superando muitas vezes os homens na mesma modalidade.
Se entrarmos no campo das masculidades subordinadas, fazendo comparação semelhante, vamos perceber que homens negros, se destacam em muitas atividade físicas e artísticas, superando em número e em qualidade os homens brancos.
Seria inútil, também, tentar encontrar qualquer tipo de depreciação dos homens LGBTQI+ em relação aos brancos héteros nessas questões, pois elas simplesmente não existem.
Qualquer diferença que diminua um ser humano em relação ao outro simplesmente não existe, é, apenas, como se refere Yuval Harari, em muitos momentos no livros Sapiens, uma ordem imaginada, fruto da necessidade de pessoal de outro ser humano de estabelecer um poder hierárquico e de dominação sobre outros.
Então, quando os homens, se propõem a frequentar um encontro, voltado para mover o olhar para as suas questões pessoais, suas masculinidades, como homem e como se constitui esta masculinidade, não sabem realmente a dimensão que este tema tem.
E eu, também não tinha no início! Durante muito tempo achei que olhar somente para meu “umbigo” seria suficiente para ser um homem melhor, íntegro e inteiro. Ledo engano.
O tema “Patriarcado” como objeto de estudo acadêmico é recente, se entendermos que estamos falando de um processo que se origina na Grécia antiga e se estende pelo planeta todo, permeando culturas e religiões.
Mas graças ao movimento feminista na década de 60, se inicia o que podemos chamar de revolução no estudo de gênero, onde se passa a questionar e colocar em cheque todos os papéis pré-determinados e estabelecidos pela sociedade, pelo patriarcado – que reforço: é uma ordem imaginada, leis não escritas, mas que são obedecidas e legadas ao futuro.
Ao olhar, portanto, para a opressão que o patriarcado exerce sobre a sociedade, principalmente sobre as mulheres (hoje sem dúvida o maior alvo de violência desse sistema abusivo), percebe-se também uma constante e ampliado descontentamento dos homens com estas questões.
Solidão e Depressão dos homens
Atendendo homens jovens e adultos, seja nos grupos ou individualmente, e percebo uma tristeza, uma solidão.
Tristeza no sentido de estar sem a alegria de viver, pois se percebem em um mundo polarizado e pesado, sobrecarregado pelo ter e fazer, uma exigência de performance que é quase insana, um modelo já corroído e anacrônico, mas que ainda pressiona os homens.
E a solidão. Solidão por não ter ou não saber como compartilhar e expressar a dor, uma dor profunda de inadequação e falta de referências saudáveis de homens.
Estas dores são refletidas no corpo e na psique dos homens, sob a forma de depressão, desânimo e um profundo descrédito com a vida que é vista, que é vivida.
A dor do homem atual é fruto desta falta de identificação com referenciais saudáveis masculinos, afinal, como pergunta Bly em sua obra “Joao de Ferro”, onde estão os homens de poder, poder equilibrado e maduro.
Somos rodeados de meninos malcriados e birrentos, que vestem ternos e brasões, colocando-se como líderes, mas comportando-se como meninos, imaturos e inconsequentes.
Por onde andam os homens que se possa confiar de verdade? Por onde andam os homens que de verdade amam e respeitam o outro, sem crítica ou julgamento?
Por onde andam os homens que buscam no coração as respostas para seus dilemas e compartilham irmanamente os outros seus aprendizados e potencialidades?
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- Leia também: O que é Sagrado Masculino + 7 passos para se reconectar!
Referências bibliográficas: Yuval Noah Harari. “Sapiens Uma Breve História da Humanidade” | Robert Bly. “João de Ferro” | Robert Connell &, James W. Messerschmidt. “Masculinidade hegemônica: repensando o conceito” | Samuel Osherson. “Os Homens e o Amor”.
Novas Masculinidades
É momento de darmos um salto, um de compreensão e um de maturidade. E esse salto vai na direção do amor.
Do amor incondicional, do amor fraterno, de respeito aos valores humanos.
Que sejamos, além das nossas escolhas pessoais, humanos, seres que valorizam a vida, independente da escolha do outro, independente da condição de quem está próximo ou distante.
Ouvi uma frase de um ancião que utilizo agora para fechar este artigo:
“Um dia serei eu a estar ao teu lado e do teu lado eu gostaria de ser respeitado e amado, assim como te respeitarei e amarei.”
E fica um convite aqui aos homens, que querem aprofundar e se reconectar com uma masculinidade saudável e integra: agende um horário de Terapia Online para Homens comigo.
Venha e se disponha a estar presente, se posicionando e comunicando sua verdade! 🙂