Ancestralidade indígena: um olhar sistêmico!

Neste artigo busco compartilhar com vocês um testemunho de vida que me levou há mais de 30 anos atrás a mergulhar em uma busca sobre ancestralidade indígena.
O artigo em questão não tem um cunho direcionado à minha história pessoal, mas sim o que essa realidade me trouxe e como se deram outros desdobramentos em minha vida, meu sistema familiar e outros sistemas, aplicando aqui a leitura sistêmica, onde todos nos vemos como sistemas e subsistemas, pertencendo a um metasistema, como a natureza assim nos mostra o tempo todo.
Essa busca veio através de um chamado da Terra, de cunho espiritual dentro de minha caminhada pessoal.
O que eu não esperava era que essa busca de minha ancestralidade indígena me conduziria a uma jornada sem fim. Boa leitura!
Índice
Minha relação particular com a ancestralidade indígena

Foto: Aldeia Rio Silvério Boraceia, SP – https://lianautinguassu.com.br/
Ao iniciar uma série de visitações às aldeias no Brasil, a partir do estado do Rio Grande do Sul, comecei a me envolver profundamente com todas as demandas do universo indígena.
Ao passo em que me aproximava, com permissão das lideranças em cada comunidade, iam avançando muitos outros movimentos a nível espiritual e social como um todo.
Fui replantada e reconhecida como pertencente à família Mbya Guarani, em uma Aldeia em São Paulo, litoral Paulista, Boraceia.
Quando ali cheguei, após muitas outras comunidades e grupos étnicos no Brasil e Américas, o Pajé Txeramoi Djidjocó e sua companheira Txa Doralice Kunha Tata me acolheram como filha, mas também me reconheceram pertencente a outros troncos étnicos, como no Peru: os Kallawayas e os Xavantes, aqui do MT (Mato Grosso), Serra do Roncador.
Feita esta introdução breve, irei cruzando aqui, com base neste reconhecer de todo um antes, um dos primeiros aspectos de vital importância no Olhar Sistêmico de Bert Hellinger: dentro das leis e ordens do amor e da ajuda, o reconhecer é fundamental.
Sou de ascendência indígena por parte dos avós maternos e paternos, mas nem sempre se comentava em família sobre essa realidade.
Havia uma ocultação que, aos poucos, ia se descortinando dentro de mim e em toda maneira como me plantava na vida.
Falava-se muito sobre a descendência portuguesa e libanesa em minha família e, aqui, a abordagem sistêmica começa a expandir-se em minha trajetória para compor toda uma nova releitura de todo o meu sistema: dos antepassados e ancestrais que precisavam ser reconhecidos no seu direito a pertencer.
Eu compreendia, aos poucos, que à medida em que fui me aprofundando, foram vindo à luz muitas questões acerca dos vazios em minha alma, da dedicação ferrenha em buscar o contato com minhas, nossas raízes.
Fui descobrindo, ao longo de minha vida, há mais de 30 anos atrás e até hoje, em meus 60 anos, todos os sinais que eram dados a mim e cruzando, assim, o olhar sistêmico, com as informações que me chegavam através de um tio, irmão de minha mãe e também das origens reais do avô paterno, que vinha da Bahia, o Avô Utinguassu.
Seguindo as bases sistêmicas: não podemos transformar nada se não reconhecermos o antes.
Estejam atentos a este conceito para entender o raciocínio que aqui coloco em relação a todos nós, brasileiros(as), para que possamos compreender e ressignificar alguns padrões de comportamento que, certamente, muitos de nós experienciamos.
O que significa e qual a importância da ancestralidade dos povos indígenas?

Foto: J Brarymi – istock
Para os povos indígenas, o termo ancestralidade significa honra a todos que vieram antes.
A cosmovisão de cada etnia inclui, neste contexto, uma alma coletiva, onde se sobrepõem aí, sobretudo no tronco Tupy, a árvore da vida que forma o corpo de nossa consciência material e imaterial.
Os Tupy e Guarani definem em 4 as camadas dessa ancestralidade:
- Corpo;
- Dimensão cultural;
- Eu coletivo;
- Inconsciente coletivo.
Conhecer este corpo em suas diversas dimensões é conhecer, também, a nós mesmos, identificando fraturas, traumas, obstáculos evolutivos e potenciais a serem ativados para nosso crescimento pessoal.
Muitos comportamentos advém dessa camada ancestral cultural. O Eu coletivo, por exemplo, foi amalgamado em duas dimensões, sendo elas:
- Estabilidade (confiança);
- Pertencimento.
Para os Tupy e Guarani há 9 níveis de consciência a serem percorridos dentro deste contexto ancestral e todos esses cruzamentos corroboram o pensamento sistêmico de Bert Hellinger e outros estudiosos, como Rupert Sheldrake, em seu livro A Ciência da Prática Espiritual, que recomendo para ampliar o assunto.
Reflexos da desvalorização da ancestralidade indígena brasileira e ancestralidade espiritual
Quando os europeus chegaram no Brasil foram chamados pelos índios de irmãos distantes, e os povos originários acreditavam que esse irmão vinha trazer algo bom, pois toda simbologia das caravelas, por exemplo, na leitura dos grupos étnicos que existiam, representava uma Divindade ou divindades que vinham dos céus, em naves.
Para quem adentra na cosmovisão de diferentes grupos étnicos irá deparar-se com a representação da canoa ou Bayri e muitas outras interpretações entre Céu, Terra e a Alma Coletiva de todos nós.
A história que ensina-se nas escolas não aprofunda a importância para todos nós de reconhecermos nosso Antes.
A leitura de que o Brasil foi descoberto oculta a realidade dos que aqui existiam e habitavam esta terra, ocultando, também, o quanto foram explorados e o quanto exploraram a terra em suas riquezas naturais.
A população indígena que habitava estas terras foram mais que exploradas.
Houve um saque na alma, violentamente ignorado, e o Brasil, até hoje, sofre sequenciais:
- Explorações;
- Abusos de poder;
- Escravidão;
- Baixa autoestima;
- Subjugação;
- Medos;
- Culpas;
- Raivas;
- Tantas outras violências para com mulheres, crianças, homens, avós…
Hoje, através da abordagem sistêmica e outras práticas que chegam para descortinar muitos véus, como as Terapias Integrativas, da psicologia e pedagogia da Alma, entre tantos outros recursos, a humanidade começa, gradativamente, a olhar sob outros ângulos a forma como uma sociedade e como um país se comporta frente a todo um antes.
Desta forma, começamos a olhar para nós mesmos e nosso sistema familiar.
Bert Hellinger e sua esposa Sophie, em uma visita ao Brasil, em 2016, comentaram sobre o Brasil ser um país sem memória.
Nos perguntamos: quais foram e quais são os fatos ocultados, ignorados, do passado de nossa história?
Os que vieram antes foram os índios, depois vieram os portugueses e africanos e, com isso, muitas mulheres e crianças carregam uma memória de vergonhas, culpas, medos, raivas, inseguranças…
Foram muitos os acontecimentos trágicos que refletem em nossa memória individual e coletiva.
Honrando a ancestralidade indígena através do olhar sistêmico

Foto: Vanessa Nunes – istock
As Constelações Sistêmica Familiares nos trazem uma série de infinitas possibilidades para que possamos trazer à luz o real significado do resgate das raízes ancestrais indígenas em nosso cenário atual.
É possível, também, entender melhor as consequências dessa exclusão, desse holocausto secular, exploração dos saberes desses povos e do seu modo de ser enquanto filhos e filhas da terra, como todos nós.
Essa leitura me diz que toda retomada de consciência da nossa humanidade passa por retornar à terra e, assim, portanto, aos povos indígenas que estiveram e estão, mas com um olhar diferente, onde ressignificamos as escolhas feitas no passado, a forma como tudo aconteceu e reconhecemos que agora todos fazemos algo de bom com isso.
Não significa simplificar, esquecer, ignorar, mas dizer sim à vida, às culturas e tradições e também passar a olhar cada um em seu devido lugar, com respeito.
Portugueses também são sempre motivo de chacota, onde as piadas contadas de geração à geração traduzem uma reprodução de negatividade, de transferência de culpas, de comportamentos que não correspondem a um reconhecimento, também, de outros benefícios que devemos entender, assim como a vida que cada um recebeu.
O movimento de exploração e deixar-se explorar passa então a outro movimento, quando damos voz aos que vieram antes e tomamos a força daqueles que lutaram e morreram em muitas batalhas.
Nossos filhos, netos e bisnetos devem carregar essa consciência, não a vergonha, raiva, medos e culpas que acabam por gerar mais emaranhamentos, mais ocultações, mais tragédias, abusos e explorações.
O Brasil não foi descoberto, o Brasil foi explorado e seguirá assim, enquanto a população não tomar consciência de seus verdadeiros lugares e suas origens reais.
Aí reside uma das maiores belezas das Constelações: trazer à luz o que precisa ser visto e reconhecido.
Quando reconhecemos trazemos ao coração e, então, sentimos leveza.
Tomando a força dos ancestrais e antepassados, olhamos para eles e dizemos: eu vejo vocês.
Não me refiro exclusivamente aos indígenas. Somos, hoje, multiétnicos, híbridos… somos um Brasil de múltiplas culturas, saberes e muitas riquezas.
Devemos, portanto, olhar e aceitar, sem rejeitar, sem amaldiçoar, mas também não ignorar. A paz dentro e fora de nós, reside, também, neste reconhecer tudo como foi.
Vivi muito tempo lutando dentro de mim, com muitas memórias, vazios de alma e tomando muitas questões de forma indevida em minha realidade, tanto em meu sistema familiar como em sociedade.
Contudo, hoje faço diferente, reconhecendo que não dou aquilo que não tenho, que devo tomar o meu lugar e, muitas vezes, deixar de ser arrogante e pretensiosa, aprendendo a devolver o que não me pertence.
Quando nos reconhecemos pequenos é quando nos tornamos grandes, muitas vezes.
Como consteladora sistêmica e terapeuta alquímica, reúno em atividades, cursos, palestras e atendimentos essa força da ancestralidade (indígena ou não) de todos os que vieram antes e, em honra a eles, faço algo de bom com tudo que passaram, tanto os nascidos, como os não nascidos, mulheres e avós de todo clã.
Faz sentido pra você?