O papel da ajuda
“Você é psiquiatra?”, me perguntou uma senhora ao telefone. “Não, eu sou terapeuta!”, respondi.
E a conversa foi se desenrolando, ao passo em que eu ia ouvindo o que ela buscava e do que ela estava disposta. A conversa durou uns dez minutos e, no final, ela me falou do filho de 30 anos que não sai da frente do computador e se eu poderia fazer alguma coisa por ele. “Se ele tiver a iniciativa de buscar alguma coisa, sim, aí eu posso.” “Mas ele é muito resistente a terapia.” Ela disse. E ela insistiu se eu não poderia ajudar.
Cada coisa no seu lugar. Em primeiro lugar:
O que significa ajudar?
Veja: vivemos num mundo de interpretações e subjetividades que dão forma às nossas vidas. Para algumas pessoas, a palavra ajuda pode ser interpretada como: “faz pra mim?”.
Quando a ideia de ajuda significa isso, a resposta é: isso não vai funcionar. Porque não tem a energia necessária. E porque aceitar isso não seria ajuda! O nome que eu dou pra isso é outro: roubo! Trata-se de se estabelecer um jogo debilitante na relação entre terapeuta e cliente. E nesta relação o poder pessoal de fazer escolhas e decisões é roubado.
Eu trabalho com várias abordagens e uma delas é a Constelação Familiar, que trata de olhar para o sistema que a pessoa pertence e as ordens desse sistema. Ao violar essas ordens, sofremos. É simples assim. E em qualquer sistema, quando uma pessoa busca ajuda, aquele que ajuda é o último a chegar. E como o último a chegar, ele(a) tem menos influência no sistema.
As pessoas tem escolhas e tomam decisões. É essencial ter isso em mente, porque isso é parte do poder delas. O “faz pra mim”, “conserta pra mim”, “resolve pra mim”, “me salve” é a criança que vive dentro do corpo de um adulto que busca isso.
O papel de Guia
O papel que eu me disponho a viver com os meus clientes é o papel de um guia.
Digamos assim: eu conheço o território e ofereço o apoio necessário para a caminhada. O apoio vem através de vários recursos: percepção, sinceridade com o que eu vejo, a minha experiência e o conhecimento das técnicas de apoio para que o processo seja mais fácil.
Subverter a ordem da ajuda e me enfiar onde não me pertence seria uma confusão perigosa e desgastante. Alguém aqui já viu aquela lenga lenga da pessoa que vai na terapia há anos e já nem sabe mais porque que está indo lá e o terapeuta vira aquela figura que passa a mão na cabeça, numa dinâmica que afunda a energia criativa de ambos?! Não, obrigado.
A vida é feita de encontros. Alguns são significativos e agregam valor a vida. Chamo a isso de apoio mútuo! Já outros, são encontros que sugerem que a pessoa procura alguém para não se sentir só e para evitar lidar com o que incomoda.
Um dos componentes da vida são os acordos. Quando eles são claros, a gente pode aceita-los ou rejeitá-los. Outros estão implícitos e vem com juros extorsivos – exemplo: “me dê a sua vida”. E há quem chame isso de amor.
A clareza do lugar de cada um dá a força e a dignidade para todas as partes envolvidas.
Da forma como eu vejo, a terapia é uma forma corajosa de escolher olhar as próprias sombras inconscientes e escolher se fortalecer fazendo o melhor pela própria vida. É vitalizante. É inspirador. É arte e é ciência também.
Ter a clareza dos papéis é o primeiro passo, e quando eu me refiro ao meu lugar como um guia, a posição da hierarquia é horizontal. Isso quer dizer que a terapia é uma responsabilidade compartilhada, é um caminhar lado a lado. O que é diferente da posição de um cuidador, que pode confundir-se facilmente com uma posição de superioridade.
É como eu frequentemente falo com os meus clientes: “Eu atendo adultos: traga o adulto aí para o banco do motorista e deixe a criança no banco de trás“.
Desse lugar, em que se compartilha da posição humana perante o assombro da grandiosidade da vida, surgem novas compreensões e novas dimensões de compreensão perante a vida: mais expansivas e benéficas para ambos.