Ludopatia, o vício em apostas (bets) e jogos online: como tratar?
Nos últimos anos, o vício em apostas aumentou muito!
Os jogos online se tornaram um dos passatempos mais populares e acessíveis, com plataformas que permitem apostas a qualquer momento e lugar.
O marketing agressivo dessas casas de apostas, aliado à facilidade de acesso, tem contribuído para o aumento significativo de transtornos relacionados a esse comportamento.
Essa expansão também trouxe uma demanda crescente por profissionais de saúde mental capacitados para lidar com os impactos negativos desse vício.
Este artigo oferece uma análise aprofundada sobre o Transtorno de Jogos, com foco nas apostas online. É direcionado a terapeutas e profissionais de saúde.
Serão abordadas suas características clínicas, fatores de risco, impactos emocionais e sociais, além de orientações práticas para profissionais de saúde mental no manejo desse transtorno.
Sou Carlos Mayke, psicólogo e responsável técnico da plataforma. Boa leitura!
Índice
Apostas online: Dados recentes
No Brasil, o setor de apostas online cresceu de forma impressionante. Em 2024, os brasileiros movimentaram cerca de R$ 20 bilhões por mês nessas plataformas.
Atualmente, as bets (apostas) ainda estão em processo de regulamentação no Brasil, gerando muitas consequências.
Uma pesquisa do Instituto Locomotiva, divulgada pela revista Exame, revelou que, entre janeiro e julho de 2024, 25 milhões de brasileiros começaram a apostar online, uma média de 3,5 milhões de novos apostadores por mês. Para efeito de comparação, o coronavírus levou 11 meses para alcançar o mesmo número de pessoas no país.
Entre os apostadores:
- 41% relatam ansiedade;
- 17% sentem estresse;
- 9% experimentam culpa;
- 60% afirmam que o jogo afeta seu estado emocional;
- 5% relatam perdas financeiras;
- 37% usaram dinheiro destinado a outras despesas para apostar;
- 30% indicam prejuízo em relações pessoais.
Curiosamente, 54% associam o jogo a emoção, 37% a felicidade e 11% a alívio, enquanto 42% o utilizam como fuga de problemas ou emoções negativas.
O que são os transtornos de jogos e o vício em apostas?
O Transtorno de Jogo, também conhecido como Ludopatia, caracteriza-se por um impulso incontrolável de apostar, mesmo diante de prejuízos evidentes. A principal marca desse transtorno é a incapacidade de interromper o comportamento, levando a perdas financeiras, problemas familiares e deterioração da qualidade de vida.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu o vício em jogos como transtorno mental na Classificação Internacional de Doenças (CID-11, código 6C50.0). O diagnóstico é estabelecido quando o comportamento de jogo persiste por mais de 12 meses, resultando em sofrimento significativo e impactos negativos em áreas como:
- Relações pessoais;
- Desempenho profissiona;
- Bem-estar social;
Critérios diagnósticos incluem:
- Persistência do comportamento de jogo, levando a impactos negativos em áreas importantes da vida, como relações pessoais ou situação profissional;
- Irritação ou inquietação quando a pessoa tenta interromper o jogo ou reduzir seu tempo;
- ensamentos frequentes sobre o jogo, como planejar a próxima sessão ou relembrar momentos de prazer;
- Dano a relações sociais ou desempenho profissional devido ao tempo excessivo dedicado ao jogo.
Características clínicas da Ludopatia
Segundo o Dr. Edgar Oliveira, do site Psiquiatria São Paulo, pessoas com Transtorno de Jogo geralmente passam por três fases clássicas:
- Vitórias: ganhos iniciais geram euforia e esperança;
- Perdas: apostas levam a prejuízos financeiros e emocionais;
- Desespero: com dívidas acumuladas, o indivíduo sente impotência e perde o controle.
Durante a fase de desespero, muitos recorrem a empréstimos ou dívidas para tentar recuperar perdas, agravando o problema.
Apesar disso, apenas cerca de 8% dos indivíduos buscam tratamento, muitas vezes por vergonha ou desconhecimento. Comorbidades como depressão e ansiedade são frequentes, reforçando a importância da intervenção precoce.
Fatores de risco
O Transtorno de Jogos pode ser influenciado por uma série de fatores de risco, que aumentam a probabilidade de desenvolvimento do vício:
- Fatores temperamentais: Características como impulsividade, baixo controle e baixa autoestima podem predispor ao vício.
- Fatores genéticos: A presença de genes relacionados ao processamento de recompensas pode aumentar a suscetibilidade ao transtorno.
- Fatores fisiológicos: A exposição excessiva à dopamina durante o jogo pode criar um ciclo de prazer e dependência.
- Fatores ambientais: A disponibilidade de jogos de azar e a cultura de apostas também influenciam o desenvolvimento do transtorno.
Histórico familiar
Pessoas com histórico familiar de Transtorno de Jogo (TG) têm um risco aumentado de desenvolver o transtorno. Isso pode ser explicado tanto por fatores genéticos quanto por influências ambientais, como a exposição precoce a comportamentos de risco.
Exposição precoce a jogos de azar
A exposição a jogos de azar desde a infância ou adolescência aumenta significativamente o risco de desenvolvimento. O início precoce no ambiente de apostas pode gerar uma familiarização com os comportamentos aditivos e a percepção de que o jogo é uma forma legítima de obter recompensa ou prazer.
Comorbidades
Além disso, pessoas diagnosticadas com transtornos de humor, ansiedade ou personalidade, têm maior risco de desenvolver o Transtorno de Jogo.
Esses transtornos estão frequentemente associados a características como impulsividade, dificuldade em lidar com emoções, busca por alívio emocional e validação externa, fatores que podem contribuir para a dependência dos jogos.
Como o transtorno e vício em apostas aparece na clínica?
Muitos pacientes chegam ao consultório sem ter a consciência de que estão enfrentando um vício. Eles podem se sentir desconfortáveis ou até mesmo envergonhados ao falar sobre suas perdas financeiras, ou comportamentos impulsivos, o que dificulta o diagnóstico. Cabe ao terapeuta criar um ambiente acolhedor e seguro, favorecendo a expressão genuína do paciente.
Principais sinais a observar:
- O paciente menciona estar sempre “tentando controlar” suas apostas, mas não consegue;
- Fala sobre ganhos e perdas de forma exagerada, tratando as apostas como uma forma de investimento;
- Mostra sinais de ansiedade ou inquietação quando não está apostand;
- Apresenta uma história de falhas repetidas em controlar o comportamento, com desculpas ou justificativas para os jogos;
- O comportamento de apostar leva o paciente a negligenciar outras áreas importantes da sua vida, como trabalho, estudos e relacionamento com a família;
- O paciente tem dificuldades para controlar seus gastos, muitas vezes gastando mais do que pode, entrando em dívidas ou pegando dinheiro de outras fontes.
E quando o paciente não reconhece o transtorno?
Quando o paciente não reconhece o transtorno, o terapeuta deve abordar a situação de forma empática, sem acusar ou forçar a identificação do problema.
Mediante perguntas abertas e exploratórias, é possível ajudar o paciente a perceber os impactos das apostas em sua vida.
Vício em apostas e jogos de azar online: tratamento
O tratamento para o Transtorno de Jogo envolve uma combinação de intervenções psicológicas, apoio familiar e, em alguns casos, farmacoterapia.
O objetivo do tratamento é ajudar o paciente a reconhecer o vício, entender as consequências de seu comportamento e aprender a lidar com os fatores emocionais que o sustentam.
Cada profissional deve alinhar sua abordagem terapêutica consoante as necessidades específicas de cada paciente, levando em consideração as particularidades do caso e a história do indivíduo. O tratamento deve ser flexível e adaptável, com o terapeuta sempre atento às mudanças no quadro clínico e pronto para ajustar a abordagem conforme necessário.
Estratégias de intervenção imediata
A intervenção precoce pode ajudar o paciente a interromper o ciclo de vício. Algumas estratégias imediatas incluem:
- Instalação de bloqueadores de sites de apostas: o uso de aplicativos que bloqueiam o acesso aos sites de apostas pode ser uma forma eficaz de reduzir a tentação e interromper o comportamento impulsivo;
- Transferência do controle financeiro: transferir o controle financeiro para um familiar de confiança pode ajudar a prevenir novas perdas financeiras;
- Estabelecimento de rotinas alternativas: criar novas rotinas nos horários em que o paciente costumava apostar ajuda a substituir o comportamento. atividades como exercícios físicos, meditação ou hobbies podem ser alternativas saudáveis.
É importante que as intervenções do profissional sejam sempre sugestivas e nunca impostas. Ao invés de impor soluções, o terapeuta deve orientar o paciente para que ele próprio possa identificar os melhores caminhos para superar o vício, considerando suas crenças, valores e situações de vida.
Preparação para situações de risco
Conscientize o paciente para situações de risco, que são momentos propensos a desencadear recaídas. Algumas situações comuns incluem:
- Grandes eventos esportivos: jogos de alto impacto podem intensificar o desejo de apostar. planejar como o paciente lidará com esses eventos pode ser uma forma de prevenção;
- Recebimento de salário/13º: o aumento temporário de recursos financeiros pode ser uma oportunidade de recaída. planejar estratégias financeiras pode evitar que o dinheiro seja usado para apostas;
- Estresse intenso: estressores, como problemas no trabalho ou na vida pessoal, podem levar o paciente a buscar as apostas como forma de alívio. ensinar técnicas de identificação e enfrentamento do estresse é uma estratégia útil.
O que NÃO funciona no tratamento do transtorno de jogos online de apostas?
Algumas abordagens podem ser contraproducentes ou até prejudiciais quando se trata de tratar o vício em apostas. Aqui estão algumas estratégias que devem ser evitadas:
- Confrontação agressiva: a agressividade pode gerar resistência e prejudicar a relação terapêutica. o paciente pode sentir vergonha e afastar-se ainda mais do processo de mudança.
- Foco exclusivo na abstinência: embora a abstinência seja uma meta importante, tratá-la como o único objetivo pode ser redutor. o vício em apostas é muitas vezes um reflexo de questões emocionais ou psicológicas mais profundas, que precisam ser abordadas.
- Ignorar o aspecto financeiro: as apostas têm um impacto financeiro significativo, e ignorar esse aspecto pode resultar em maiores dificuldades para o paciente. abordar o controle financeiro é uma parte essencial do tratamento.
- Subestimar o poder do marketing das casas de apostas: o marketing agressivo das casas de apostas pode desencadear o desejo de jogar. ignorar a influência do marketing ou não alertar o paciente sobre os riscos dessa exposição pode ser uma falha no manejo.
Quando encaminhar para outros especialistas
Em alguns casos, o paciente pode necessitar de encaminhamento para outros profissionais, como psiquiatras e especialistas financeiros. Lembre-se de reconhecer seus limites profissionais. Algumas situações que exigem encaminhamento imediato incluem:
- Ideação suicida ou autoagressiva.
- Comorbidades psiquiátricas graves, como depressão ou transtornos de ansiedade.
- Comprometimento financeiro extremo.
Conclusão sobre transtorno de vício em apostas (bets) e jogos online
O Transtorno de Jogo ou Ludopatia é uma questão de saúde mental crescente que afeta muitas pessoas ao redor do mundo, trazendo sérios impactos emocionais, financeiros e sociais.
O reconhecimento precoce, a intervenção adequada e o suporte contínuo são essenciais para ajudar os indivíduos a superar esse transtorno e retomar o controle de suas vidas.
Para um tratamento eficaz, é indispensável que os profissionais de saúde mental personalizem suas intervenções segundo as particularidades de cada paciente, utilizando técnicas consistentes que considerem o contexto único de cada caso.
Para tanto, é indispensável que essas intervenções sejam conduzidas de forma empática e respeitosa, evitando qualquer imposição.
Além disso, a prevenção e a educação desempenham um papel fundamental em reduzir os riscos e promover um comportamento de jogo mais saudável.